O meu filho mais novo tem seis anos. É uma criança muito querida, cheia de vida, tem um ar satisfeito e muito feliz. Muito atento a tudo o que o rodeia, questiona-me constantemente querendo saber a razão de tudo e não aceita qualquer justificação ou explicação. Enquanto permanecer nele alguma dúvida, sou alvo de um questionário ininterrupto e inteligente que exige de mim toda a compreensão e maturidade para lhe responder em conformidade com a sua tenra idade.
Todos os dias vou busca-lo à escola, aparece sempre a correr de mochila às costas e com um enorme sorriso.
Naquele dia, aproximou-se de mim a passos lentos e o seu rosto tão triste que de imediato percebi que algo não correra bem naquela manhã.
Beijei-o, peguei na mochila tão pesada para tão franzino ser e pausadamente questionei-o:
- Estás bem, amor?
- Sim, estou! – respondeu-me. Tão-somente estas palavras!
Aumentou a minha preocupação. E avancei cautelosamente:
- Correu bem a aula, hoje? Aprendeste coisas novas?
- Correu bem, mamã, correu tudo bem!
Inquietei-me, o seu estar sereno e as suas escassas palavras só me confirmavam a suspeita de que havia acontecido algo de muito forte que abalou profundamente a minha criança.
- Zangaste-te com os teus amigos?
- Já te disse que correu tudo bem, mamã!
Calei-me perante a sua resposta. Dirigimo-nos ao carro, calados, como nunca fizemos! Ele tem sempre tanto que contar, sobre a aula, as brincadeiras e conversas com os amigos, que parece que não nos vemos há uma infinidade de tempo! E naquele dia, estava completamente mudo.
O percurso da escola a casa é pequeno, conduzia em silêncio e o meu pensamento fervia de inquietação! De repente a sua vozinha fez-se ouvir:
- Mamã, estou apaixonado!
Ai Deus, nem sei como não estanquei o carro naquela avenida!
Os meus olhos quase rebentaram de tanto abrirem perante a perplexidade daquela afirmação tão convicta do meu filho! Fiquei sem palavras!
- Apaixonado, amor?! – nem sabia que pensar quanto mais perguntar!
O meu filho apaixonado?!? Com seis anos?!? Que sabia ele do significado de paixão?!?
Respondeu-me:
- Sim mamã, gosto da Cristina e queria que ela fosse minha namorada!
Proferiu aquelas palavras tão convictamente, aliadas a um comportamento tão sério que não me deixou margem para qualquer dúvida… o meu petiz estava “apaixonado”!
- Amor, já lhe disseste que gostas dela? – perguntei-lhe.
- Sim, já. Mas ela disse-me que já tem namorado!
Eu estava literalmente petrificada agarrada ao volante!
- Até fiz um desenho para ela… ainda não o acabei, ainda não tive tempo…
Não sabia que lhe dizer! Seis anos, ele só tem seis anos!
- Olha, meu amor, tu ainda és muito pequenino, a Cristina também, tu vais crescer e vais conhecer outras meninas…
Não me deixou fomentar mais a minha opinião, interpelou-me de imediato:
- Eu sei mamã, mas eu gosto da Cristina…
- Está bem amor, não penses agora mais nisso, não fiques triste, amanhã dás-lhe o teu desenho, vais ver que ela vai ficar muito contente contigo. Ela é tua amiga, não é?
- É, mamã. – e calou-se novamente.
Naquele dia não voltámos a falar sobre aquele assunto.
No dia seguinte, de novo no percurso para casa, perguntou-me ele:
- Mamã, podemos falar daquilo de ontem?
Por momentos, nem me lembrava a que assunto se referia, mas rapidamente ele me recordou:
- Da Cristina, mamã. Já acabei o meu desenho…
- Já? E que desenhaste, amor?
- Um coração grande!
Eu não podia crer no que estava a ouvir, nem na conversa e tema que estava a travar com o meu filho tão pequenino!
- Deste o desenho à Cristina? Ela gostou?
- Não mamã, não dei… - e por breves instantes calou-se… retomou o quase monólogo, pois eu não conseguia emitir um som que fosse!
- Mostrei-lhe o meu desenho, ela gostou, pediu-me que lhe desse o meu coração… mas eu não dei… não dei, nem vou dar… vou guardar no meu quarto, na gaveta da minha secretária e disse-lhe que só lho dou quando ela gostar um bocadinho de mim, quando ela quiser ser minha namorada…!
Desde muito cedo, desde sempre o ser humano é confrontado com os seus próprios sentimentos, estes inatos, e as decisões a tomar na sua conduta de vida.
A vida é uma escolha constante. É a obrigatoriedade permanente de decidir entre isto e aquilo, entre fazer ou não fazer, entre ir ou ficar, entre ser ou não ser,…
Nesta luta interior, nesta obrigação que nos impõem, ou que nos impomos, temos que escolher! Aliado ao já de si angustiante processo de escolha, acresce o factor sentimento, sempre presente.
Quantas vezes o sentimento se sobrepõe à razão e fazemos, dizemos e decidimos o que conscientemente sabemos incorrecto?!
Saber decidir pesando os prós e contras é difícil, doloroso, aterrador, por vezes!
Mas há decisões a serem tomadas! E temos que as tomar racionalmente, temos que ser objectivos, precisos… inteirarmo-nos concretamente do que queremos e mais importante ainda, saber o que não queremos para nós!