“Nunca escreveu cartas de amor. A mulher, que também poupava palavras, não deixou nunca de lembrança escritos de amor a ninguém. Não porque não o sentisse, apenas não o escrevia. Por que haveria de o fazer? Quando amava alguém, estivesse essa pessoa perto ou distante, oferecia pedras. Não eram preciosas, senão para ela. Pedras normais. Podia recolhê-las na praia, numa serra, na rua. Podiam ser brita, pedras cristalinas, calcárias, pirites, quartziticas... Podiam ser ovais, macias, rugosas, redondas... um cubo tosco da pedra de calçada. Eram sempre diferentes. Todos os seus amantes tinham uma pedra sua. Só uma, que a mulher nunca foi de excessos. Afinal, bastava dizer uma vez que os amava. Mesmo as cartas de amor não são tão frequentes. Na pedra estava tudo o que sentia.
Um dia a mulher morreu. No seu funeral reuniram-se os amantes. Cada um com a sua pedra. Não era algo que não guardassem. Não se rasga como se faz com uma carta de amor. E nunca levariam consigo uma carta de amor, já a pedra...
Ao encontrarem-se não evitaram a comparação. Não seria por isso que as teriam levado? Qual seria a mais bonita. A mais rara. A de mais valor. Qual mostraria uma maior indiferença. Não contava ali a duração da relação. Nem tão pouco as relações que implicaram uma vida a dois. Apenas as pedras. Uma pedra pequena, branca, igual a tantas outras em qualquer praia, só poderia significar desdém. A pedra-pomes valeria mais do que o granito comum? Um deles garantia que a sua pedra oval de um esverdeado transparente era, sem dúvida, rara. Se as cartas de amor que, a cada altura e para cada pessoa, são escritas com a mesma verdade, beleza e intensidade, porque não poderiam ser as pedras iguais? Cada uma, única. Cada uma bela. Cada uma amável. Cada uma, a seu tempo, no seu tempo, especial. Mas para eles, que se exaltavam já, tinha de haver uma hierarquia. A mulher diria, como Angel Cabeza, ao vê-los, se os visse “Os homens sofrem como as pedras: cheios de musgo verde e caras feias”.
Um dos amantes esteve sempre em silêncio. A sua pedra, a mais pequena, que fechava na sua mão, tinha escrito o nome da mulher. Sorriu. Foi embora. Nada disse, como a pedra, que nada dizendo, disse-o.”
Voz que se calaAmo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.
Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.
Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!
Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...
(Florbela Espanca)