Estaria muito longe da realidade?Começo por confessar que não tenho a mínima intenção de fazer o dito...
Nunca os achei apelativos. Gosto de olhar para a blogosfera como um local onde publico textos, e onde gosto de ler textos dos outros... apenas isso. E através deste processo acabo por criar laços com determinados blogues. Nos blogues não se vêem caras nem corações, mas consegue-se o mais importante que é criar afectos através das palavras e dos pensamentos, e deixar tudo o resto para o nosso imaginário.
Mas confessem lá se não seria um jantar memorável?
Onde - Um restaurante muito em conta
Quando - Uma noite da semana passada
(quarta? quinta? o que é que isso interessa?)
Quem - Todos nós aqui do
"Pedaços" (aquilo a que os senhores da restauração chamam um grupo: mais de dez, e menos de vinte)
Porquê - Ninguém faz a mínima ideia
Como - É aqui que as coisas se tornam interessantes, como se perceberá ao acompanhar o relato imaginário, quase minuto a minuto, à maneira dos sites de futebol. Então seria assim:
20:37 - Olhando para a porta do tal
restaurante muito em conta, ainda só estão três macacos à porta. O resto da malta ao que parece encara de forma um bocadinho elástica a expressão 20.30h.
20:52 - Lá vão chegando todos a conta-gotas, ou será aos
"Pedaços"... alegres, atrasadíssimos... tão portugueses...
21:00 - Entram no tal
restaurante muito em conta com a meia hora da praxe de atraso.
21:08 - Sentam-se, e vão abrindo os pacotes miniatura de manteiga, comendo umas entradas, e ninguém se atreve a fazer a pergunta:
"Será que ele vem mesmo?"
21:10 - Sem se conseguir conter, alguém faz a pergunta que está no espírito de todos os presentes:
"e então, acham que ele vem mesmo?". As pessoas disfarçam, e fingem olhar para a televisão, mas como sempre há alguém que não resiste e desdobrando o guardanapo e colocando-o no seu colo, ousa responder:
"É melhor esquecerem... desde já vos digo que ele não vem. Olhem lá, por que é que não vêem o que ele estará a publicar no blogue dele a esta hora?". Faz-se um enorme silêncio, e só se ouve um leve murmúrio das pontas dos dedos, matraqueando suavemente os ecrãs dos telemóveis, iPhones, iPhods, e afins...
21:32 - Começam a chegar os primeiros pedidos: costeletas de encher o prato, bacalhau com natas...
21:35 - E eis que ele aparece. E como que por magia o tal
restaurante muito em conta parece que sofre uma descarga eléctrica, enchendo-se de luz, com todos os nossos olhares apavorados centrados naquela
"coisa"... Sim,
"coisa" é a melhor palavra, para classificar aquilo que tinhamos diante dos nossos olhos.
Vou então resumir a
"coisa" da forma mais minimalista que me seja possível. Uma verdadeira mistura de
Jean-Paul Gaultier e
Dolce & Gabbana: sapatos com tacões agulha de dez andares com uma cobertura de cristais, um casaco metalizado com fechos dourados, umas calças cor fúschia, um gorro, e como cereja no topo do bolo... um crachá preto com letras vermelhas, que diz:
"Eu sou o Å®t Øf £övë".
21:38 - A tal
"coisa" vira-se para nós e diz:
"Boa noite a todos. Vou só ali à casinha. Já volto."22:10 - Sai do WC transfigurado. Algumas pessoas já vão na sobremesa, e há mesmo quem já peça os cafés. Impávido, senta-se, e consulta o menu...
22:50 - A imprevisibilidade do acontecimento não termina aqui, mas o que se estaria para passar nos próximos 40 minutos, torna-se inenarrável... e como S.Tomé... só mesmo estando lá para ver...
23:08 - O massacre continua. Ele não pára, não abranda, não larga...
23:21 - Bocas caladas. Apenas o barulho do multibanco a imprimir papéis para os que pagam com cartão. O silêncio é semelhante ao que se segue às grandes tragédias, tipo sismos, maremotos, apocalipses...
23:34 - Rituais de despedida...
23:37 - As luzes começam a apagar-se dentro do
restaurante muito em conta. Por muito subtil que seja, o que os empregados estão a fazer, repetindo vezes sem conta
"Boa noite, boa noite, até à próxima", é enxotar-nos. E enxotados saímos para a rua, à espera do
flash que eternize este memorável jantar.
23:49 - E agora,
tchanan,
tchanan,
tchanan, eis a fotografia de grupo, tirada por um dos empregados de mesa
(o mais paciente dos seres humanos, garanto-vos), imagem que desvenda por fim o que faltava desvendar: