Lembro-me...
Lembro-me do teu rosto... ainda com a mesma expressão daquela jovem de vinte e poucos anos que um dia eu vi ir embora. É assim que me lembro de ti. Não te conheci de outra forma. Não te vi envelhecer. Na verdade, nem sei quem tu és. Não conheço a tua história, as tuas alegrias, as tuas dores. Não sei o que te faz rir ou chorar, não conheço os teus desejos, vontades ou caprichos. Não conheço a tua essência.
Sei que o tempo passou por ti e por mim... o mesmo tempo que criou esta distância entre nós e fez com que os nossos caminhos nunca mais se cruzassem. Tambem não sabes quem eu sou. Mal conheceste a menina e hoje... definitivamente não conheces a mulher. Não me viste crescer, não me levaste á escola pela mão, não me repreendeste pelos disparates que fiz, nem tão pouco estiveste lá quando me portei bem. Nunca te falei das minhas amizades, dos meus sonhos, dos meus medos. Não foi a ti que falei das minhas primeiras paixões, nem te contei sobre o meu primeiro beijo. Não foi nos teus braços que me refugiei sempre que me senti triste ou perdida, nem foi contigo que ri das coisas felizes. Talvez me lembre da tua voz... mas não me lembro de te ouvir falar. Nem sei o que dizes, o que pensas, o que sentes. Nunca encostei a cabeça no teu colo para ouvir os teus conselhos, nem nunca te ouvi dizer " Vem cá...está tudo bem ", seguido de um beijo carinhosamente dado na minha face. Aliás, nem sei a que sabe um beijo teu.
Penso poucas vezes em ti, confesso. Sei que existes, porque eu existo. Sei que foste família um dia, que me puseste no mundo. Deste-me um corpo e um nome. Mas não me deste a mão pelos caminhos da vida. Nunca nos sentámos á mesa para falar de coisas fúteis, nunca tivemos conversas de mulher para mulher. Nem mesmo conheço essa mulher que és tu. Nem tu sabes quem eu sou. Não tenho muito para lembrar, nem tenho do que sentir falta ou saudade. Nunca ocupaste um espaço e por isso... não deixaste um vazio.
Penso poucas vezes em ti, confesso. Sei que existes, porque eu existo. Sei que foste família um dia, que me puseste no mundo. Deste-me um corpo e um nome. Mas não me deste a mão pelos caminhos da vida. Nunca nos sentámos á mesa para falar de coisas fúteis, nunca tivemos conversas de mulher para mulher. Nem mesmo conheço essa mulher que és tu. Nem tu sabes quem eu sou. Não tenho muito para lembrar, nem tenho do que sentir falta ou saudade. Nunca ocupaste um espaço e por isso... não deixaste um vazio.
Talvez um dia passe por ti na rua. Talvez te reconheça. Talvez tu te lembres de mim. Talvez até possamos trocar algumas palavras... e tentar encontrar nelas alguma coisa que faça sentido. Ou não. Talvez nesse dia poderemos sentir alguma coisa, alguma emoção, alguma saudade do que nunca tivemos. Ou provavelmente não sentiremos nada. Lembro-me do teu rosto... lembro-me da tua voz... mas não me lembro e nem sei o que é chamar-te "Mãe".
1 comentário:
Ana,
Mãe é Mãe, é quase sagrada, e honestamente este testemunho tem uma carga emocional fortíssima, por isso torna-se difícil fazer qualquer tipo de comentário, ou apreciação.
Mãe, deveria ter sempre um amor puro e forte, e um coração sempre pronto para ser entregue aos seus filhos.
Na minha modesta opinião, é preciso tentar perceber, e entender o passado, saber o que realmente aconteceu, o que pode levar uma Mãe a ter esse tipo de atitude, procurar respostas, porque tudo na vida tem que ter uma explicação, e um porquê, mesmo quando não sabemos, ou achamos impossível haver explicações para determinadas atitudes. Ela é um ser humano, e como todos os seres humanos, tem com certeza os seu defeitos, mas para eles serem entendíveis, é preciso mostrar que a situação de alguma forma nos incomoda, e por isso tentar procurar respostas.
À falta de mais palavras, gostaria de te deixar aqui um texto, que se chama "Não tenho tempo" de Neimar de Barros, e que me parece que em certa medida se encaixa neste tema. Ao ler-te, a primeira coisa que me ocorreu, e que me veio à cabeça, foi precisamente este texto, porque cresci ao som destas palavras na voz de Vítor de Sousa, e é curioso que tantos anos depois estas palavras cada vez se aplicam mais, e fazem mais sentido.
Sabe meu filho,
Até hoje não tive tempo para brincar com você.
Arranjei tempo para tudo,
Menos para ver você crescer.
Nunca joguei dominó, dama, xadrez ou batalha naval com você.
Percebo que você me rodeia,
Mas sabe, sou muito importante e não tenho tempo...
Sou importante para números, convites-sociais,
Uma série de compromissos inadiáveis...
E largar tudo isso para sentar no chão com você...
Não, não tenho tempo !
Um dia você veio com o caderno da escola para o meu lado,
Não liguei, continuei lendo jornal.
Afinal, os problemas internacionais
São mais sérios que os da minha casa.
Nunca vi seu boletim nem sei quem é sua professora,
Não sei nem qual foi sua primeira palavra,
Também, você entende... não tenho tempo...
De que adianta saber as mínimas coisas de você
Se eu tenho outras grandes coisas a saber?
Puxa, como você cresceu!
Você já passou da minha cintura. Está alto!
Eu não havia reparado isso.
Aliás, não reparo quase nada, minha vida é corrida,
E quando tenho tempo, prefiro usá-lo lá fora.
E se uso aqui, perco-me calado diante da TV,
Porque a TV é importante e me informa muito...
Sabe, meu filho...
A última vez que tive tempo para você, foi numa cama,
Quando o fizemos!
Sei que você se queixa,
Que você sente falta de uma palavra,
De uma pergunta minha,
De um corre-corre,
De um chute na sua bola.
Mas eu não tenho tempo...
Sei que você sente falta do abraço e do riso,
Do andar-a-pé até a padaria para comprar guaraná,
Do andar-a-pé até o jornaleiro para comprar "Pato Donald",
Mas sabe, há quanto tempo não ando a pé na rua?
Não tenho tempo...
Mas você entende, sou um homem importante,
Tenho que dar atenção a muita gente,
Dependo delas... Filho, você não entende de comércio...!
Na realidade, sou um homem sem tempo!
Sei que você fica chateado,
Porque as poucas vezes que falamos é monólogo, só eu falo.
E noventa e nove por cento é bronca:
Quero silêncio, quero sossego!
E você tem a péssima mania de vir correndo sobre a gente,
Você tem mania de querer pular nos braços dos outros...
Filho, não tenho tempo para abraçá-lo,
Não tenho tempo para ficar com papo-furado com criança.
Filho,
O que você entende de computador, comunicação, cibernética,
Racionalismo?
Você sabe quem é Marcuse, Mac Luan?
Como é que vou parar para conversar com você?
Sabe filho,
Não tenho tempo, mas o pior de tudo,
O pior de tudo é que...
Se você morresse agora, já, neste instante,
Eu ficaria com um peso na consciência
Porque até hoje
Não arrumei tempo para brincar com você,
E na outra vida, por certo,
Deus não terá tempo de me deixar, pelo menos, vê-lo!
Beijinhos.
Enviar um comentário