sábado, agosto 11, 2007

Nada Vence as Paixões Profundas de Cada Um

As paixões opõem-se às paixões, e podem servir de contrapeso umas às outras; mas a paixão dominante não se pode conduzir senão pelo seu próprio interesse, real ou imaginário, porque ela reina despoticamente sobre a vontade, sem a qual nada se pode. Contemplo humanamente as coisas, e acrescento nes­se espírito: nem todo o alimento é próprio para todos os cor­pos; nem todos os objectos são suficientes para tocar deter­minadas almas. Quem acredita serem os homens árbitros soberanos dos seus sentimentos não conhece a natureza; consiga-se que um surdo se divirta com os sons encantado­res de Mureti, peça-se a uma jogadora, que está a jogar uma grande partida, que tenha a complacência e a sabedo­ria de se enfadar durante a mesma, nenhuma arte pode fazê-lo.
Os sábios enganam-se quando oferecem a paz às paixões: as paixões são inimigas dela. Eles elogiam a mo­deração para aqueles que nasceram para a acção e para uma vida agitada; que importa a um homem doente a delicadeza de um festim que lhe repugna? Nós não conhecemos os defeitos de nossa alma; mas ainda que pudéssemos conhecê-los, raramente havería­mos de os querer vencer.
As nossas paixões não são distintas de nós mesmos; al­gumas delas são todo o fundamento e toda a substância da nossa alma. O mais fraco dos seres iria querer perecer para se ver substituído pelo mais sábio? Dêem-me um es­pírito mais justo, mais amável, mais penetrante, aceito com alegria todos esses dons; mas se me tiram também a alma que deve desfrutar dele, esses presentes não são nada pa­ra mim.
Isso não dispensa ninguém de combater os seus hábitos e não deve inspirar aos homens nem abatimento nem tristeza. (...) A virtude sincera não abandona os seus amantes; os próprios vícios de um homem bem-nascido podem passar a contribuir para a sua glória.

Luc de Clapiers Vauvenargues, in 'Das Leis do Espírito'

1 comentário:

Å®t Øf £övë disse...

Nefertiti,
As paixões opõem-se às paixões, e podem servir de contrapeso umas às outras, porque a verdade é que nós podemos mudar de paixões, mas não vivemos sem elas. As paixões são juntamente com os nossos erros e vícios, os maiores inimigos que existem para cada um de nós, e o pior é que eles vivem dentro de nós. Não pode existir escravidão pior do que os nossos vícios e as nossas paixões, porque as paixões gastam-nos, e os vícios consomem-nos.
O ideal seria conseguirmos uma aliança perfeita, necessária, e indispensável entre o coração e a razão, porque só assim conseguiríamos resistir às paixões. A verdade é que isso é difícil, eu diria até impossível, porque as paixões são instintos que a razão não consegue dirigir, nem regular, e muito menos suprimir.
A razão ao ser agitada pela paixão, acaba por ficar completamente turva.
À medida que vamos avançando na idade, vamos alterando as nossas opiniões, os nossos gostos, e também as nossas paixões... vamos alterando, mas não conseguimos acabar com elas, porque elas fazem parte de nós... vivem dentro de nós...
As paixões eclipsam completamente a razão, como as nuvens fazem à luz do sol...

Beijinhos.