Cumplicidade
Irrita-me o tom desse teu “bom dia", sempre tão cheio de certeza de que é o bastante para que eu deixe escapar um sorriso assim que o recebo, pela manhã. Irrita-me essa tua mania de continuares a querer partilhar comigo o quanto o almoço te está a saber bem, ou o quanto estás farto dessa reunião infindável. Irrita-me quando me dizes, a meio da tarde, que estás a passar naquela rua onde fica aquele restaurante onde costumávamos jantar. Irrita-me quando fazes questão de me contar como correu a consulta que tiveste por causa da unha encravada do dedo mindinho da mão direita. Irrita-me aquela mensagem que me envias a avisar que está a dar o filme que eu gosto no canal X, ou que finalmente encontraste aquele dvd que procurei durante tanto tempo.
Irrita-me que conheças de cor os meus hábitos e faças questão de mo lembrar com um ruídoso "acorda, tens de ir jantar!" lançado pelo msn, ao fim da tarde. Irrita-me quando me vens perguntar qual o melhor detergente para meter na máquina de lavar roupa e quanto tempo demora a carne a descongelar no microondas. Irrita-me quando às seis da manha me dizes que acabaste de chegar de uma noitada e vais dormir, despedindo-te com um “até amanhã” cheio de convicção de que “amanhã” nos falaremos de novo. Irrita-me quando comentas que foste lá fora dar comida aos cães e reparaste na enorme Lua Cheia que está lá em cima. E irrita-me saber que sabes que também reparei nela. Irrita-me quando completas as minhas frases, antecipas as minhas respostas e adivinhas as minhas reacções, e nem pões a hipótese de teres errado em qualquer uma delas. E irrita-me perceber que, na verdade, nunca erras em nenhuma.
Irrita-me que conheças de cor os meus hábitos e faças questão de mo lembrar com um ruídoso "acorda, tens de ir jantar!" lançado pelo msn, ao fim da tarde. Irrita-me quando me vens perguntar qual o melhor detergente para meter na máquina de lavar roupa e quanto tempo demora a carne a descongelar no microondas. Irrita-me quando às seis da manha me dizes que acabaste de chegar de uma noitada e vais dormir, despedindo-te com um “até amanhã” cheio de convicção de que “amanhã” nos falaremos de novo. Irrita-me quando comentas que foste lá fora dar comida aos cães e reparaste na enorme Lua Cheia que está lá em cima. E irrita-me saber que sabes que também reparei nela. Irrita-me quando completas as minhas frases, antecipas as minhas respostas e adivinhas as minhas reacções, e nem pões a hipótese de teres errado em qualquer uma delas. E irrita-me perceber que, na verdade, nunca erras em nenhuma.
Irrita-me que ainda saibas tanto de mim e faças questão de o mostrar todos os dias, ao longo do dia, e que insistas em manter os nossos hábitos, como se eles ainda fossem realmente nossos. Irrita-me esta cumplicidade que não deixas quebrar, cheio de certeza de que vamos estar sempre aqui à distancia de um “vamos lá pôr o orgulho de lado”.
E irrita-me saber que sabes que, mesmo em silêncio, concordo contigo.
3 comentários:
aconselho-vos a irritarem-se juntos
:P
Cadinho RoCo tentou comentar no "Pedaços..." e claro está este não aceitou. Ele deixou o seguinte comentário:
Ao invés de tanta irritação o melhor não será tratar de se entenderem?
Cadinho RoCo
Ana,
Há que saber nunca confundir cumplicidade com amor, porque muitas vezes quando nos sentimos cúmplices de alguém que nos sufoca, isso não representa necessariamente amor.
Muitas vezes isso é uma dependência que nós sentimos em relação a alguém, e não amor. E essa dependência leva-nos a sentirmo-nos sufocados, porque nos transmite alguma insegurança, por alguém nos conhecer tão bem que nos faz ter a sensação que não conseguimos respirar, que nos falta o espaço, e que somos demasiadamente transparentes para esse alguém.
O convívio em excesso leva sempre à cumplicidade... já o amor, tanto pode como não...
Beijinhos.
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